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5 de novembro de 2010

Reverência ao tempo - texto publicado no Jornal Zero Hora em 31/10/2010



E pensar que não faz muito tempo a carreira de intérprete no balé dificilmente sobreviveria aos seus trinta anos. Quem desfrutou da apresentação de Três solos e um dueto, na última quarta-feira, agradeceu os tempos serem outros. Em cena dois ícones d...a dança do século XX, Ana Laguna e Mikhail Baryshnikov, revelando um refinado exercício de sobriedade e delicadeza que comoveu o público, no Teatro do Sesi lotado. O programa da noite equilibrou obras consagradas com a produção de novos coreógrafos internacionais. Lá estava o lirismo e competência do sueco Matk Ek, em Solo for two e Place. Bem como a inédita Valse-Fantasie, do russo Alexei Ratmansky. E ainda a inteligência e bom humor de Years later, do francês Benjamin Millepied (aliás que em breve poderá ter seu talento conferido nas telas em Black Swan, protagonizado por Natalie Portman).
Mas não há como apreciar o programa sem sermos afetados pelo fato de que estamos diante de dois mitos da dança, Ana Laguna, com 54 anos, e Baryshnikov, com 62 anos. Ambos optando por não abandonar os palcos no ápice de suas carreiras e permitindo ver os frutos da maturidade de seus corpos dançantes. E não há no fato dessa constatação etária qualquer condescendência (daquela que torna tão difícil avaliar apresentações infantis e de idosos), mas sim a afirmação de outras qualidades nos intérpretes que dançam que não as do virtuosismo imperativo de numerosas piruetas, grandes saltos ou equilíbrio em sapatilhas de pontas. A técnica que transparece no palco é a do domínio tranqüilo e das descobertas que só os anos trazem. A dupla de intérpretes brinca, joga, suaviza, sublinha, mostra quem manda na música e que se pode fazer dança sem recorrer apenas aos efeitos que os consagraram.
Em Years later, Baryshnikov ironiza sua própria imagem juvenil projetada em um filme que o desafia a reproduzir os passos que realizava no passado. Ele não vacila e transforma, reinventa, recusa, esquece de propósito. Não são mais aquelas ferramentas que ele conta para fazer sua dança. E é o assumir dessa condição que dá uma dimensão de rara dignidade à cena. Uma lição, sem aquela postura dos mais velhos que assumem já saber de tudo, mas com o sabor e desafio de saber precisar redescobrir sempre, a cada dia, a cada nova experiência e nos fascinar com a integridade e intensidade de tal ato. Uma salutar perspectiva para as jovens bailarinas que também enchiam a plateia. Que seus mestres e mestras possam reconhecer essa lição e cultivar a tão necessária reverência ao tempo, à memória, mas também ao esquecimento.
Airton Tomazzoni
É coreógrafo e diretor do Grupo Experimental de Dança da Cidade

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